quarta-feira, 19 de setembro de 2012
Os peixes e a pesca no baixo Rio Tocantins: Vinte anos depois da UHE Tucuruí (Resumo).
ESTUDO SOBRE A PESCA NO LAGO TUCURUÍ....MUITO BOM! (Trata-se de pequena parte do estudo que contém mais de 200 páginas)Consulta: http://www.eln.gov.br/opencms/export/sites/eletronorte/publicacoes/publicacoes/Os_Peixes_e_a_Pesca_no_Baixo_Rio_Tocantins.pdf.
Autores: Bernard de Mérona; Anastácio Afonso Juras; Geraldo Mendes dos Santos; e Israel Hidenburgo Aniceto Cintra.
"A grande questão é quanto à sustentabilidade da produção pesqueira em longo prazo, uma vez que os estoques naturais tendem a diminuir, enquanto a demanda de pescado e o esforço de pesca tendem a aumentar. É preciso encontrar um ponto de equilíbrio entre esses fatores. Evidentemente, os recursos pesqueiros do rio Tocantins sempre foram e continuam tendo uma enorme importância socioeconômica e, por isso,
precisam continuar merecendo todo cuidado dos governantes, dos empresários e do povo, para que continuem exercendo este papel relevante por muito tempo e sem comprometimento das condições ambientais das quais eles dependem e também ajudam a manter".
"O efeito mais marcante da implantação de barragens sobre os peixes é o desaparecimento local de populações, tanto à jusante quanto na zona do reservatório. As observações em Tucuruí confirmam essa redução generalizada do número de espécies na área de influência da barragem".
Metodologia
As coletas sempre foram realizadas com baterias de malhadeiras, armadas em áreas de baixa correnteza e foram amostradas as mesmas três áreas contempladas nas fases anteriores e tidas como influenciadas diretamente pela barragem, ou seja, a área à jusante da barragem, o reservatório e uma área de pequena extensão à montante do reservatório. O controle das malhas utilizadas permitiu a comparação direta das três fases estudadas.
Nesta fase, que se estende de 2001 a 2005, ou seja, 17 a 21 anos depois do fechamento, foi utilizada uma bateria de 8 redes com malhas de 40, 60, 80, 100, 120, 140, 160, 180mm entre nós opostos, colocada à 18 horas e retiradas à 7 horas o dia seguinte.
À montante da barragem, a área de estudo foi separada em 4 zonas distintas:
■ M1: zona inferior do reservatório, próxima à barragem, amostrada em duas estações, uma em cada margem do reservatório: Breu Branco, na margem direita e um braço do rio Caraipé na margem esquerda;
■ M2: zona mediana do reservatório, com duas estações situadas na margem esquerda;
■ M3: zona superior do reservatório com duas estações situadas na margem direita;
■ M4: zona situada entre Itupiranga e Marabá, acima do reservatório de tucuruí.
Tratamento dos dados
As capturas em número e peso dos peixes foram expressas em captura por unidade de esforço, por espécie. para cada uma das redes, a captura foi calculada para uma área operante de 100m2. Essas capturas individuais foram mediadas para obter a captura total da bateria de malhadeiras, sendo esta expressa em número e peso por 100m2 durante 12 horas. Para visualizar a organização geral das comunidades de peixes, as tabelas de espécies por amostra foram submetidas à análise de correspondências, com eliminação do efeito de arco (detrended Correpondence Analysis, dCA). Com vistas à simplifi cação da interpretação, foram conservadas, para
essas análises, somente as espécies que constituem mais que 0,1% da captura total e uma ocorrência nas amostras superior a 10%.
Análises de variância aplicadas a coordenadas das amostras nos eixos da dCA foram efetuadas para ajudar na interpretação das diferenças observadas.
Foram calculados os índices clássicos de descrição de comunidade, ou seja, a riqueza
específi ca, a regularidade da distribuição de abundância (equitabilidade, e) e a diversidade de Shannon (H’), segundo fórmulas indicadas no capítulo 2. Análises de variâncias foram utilizadas para testar diferenças entre as fases.
Composição específica
Uma classificação hierárquica das principais espécies permite identifi car cinco grupos de peixes.
Duas espécies de branquinha (Curimata acutirostris e Psectrogaster amazonica) são
características da zona à montante do reservatório. o cangati (Auchenipterus nuchalis) e o aracu (Laemolyta petiti) eram mais abundantes na zona superior do reservatório, enquanto o peixe-ripa (Cynodon gibbus) e a orana-bicuda (Argonectes robertsii) eram mais abundantes na zona intermediária.
As demais espécies tiveram uma repartição mais homogênea, sendo algumas mais abundantes na zona inferior do reservatório, tais como o dente-de-cão (Acestrorhynchus falcirsotris), e outras bem distribuídas em toda extensão do reservatório.
Reservatório à montante
Características gerais das comunidades
Comparada com a situação do trecho das corredeiras antes do represamento, a captura por unidade de esforço (CpUe), tanto em número, quanto em biomassa dos peixes capturados, era significativamente inferior no reservatório (Figura 4.19). esse resultado não pode ser interpretado como uma diminuição da abundância de peixes. de fato, o aumento espetacular do espaço disponível para os peixes fez com que a densidade, estimada pelas CpUes, fosse inferior no lago, quando comparada ao rio. não se nota uma evolução do peso médio dos peixes entre a fase pré-fechamento e 20 anos depois.
A diversidade das comunidades de peixes sofreu uma diminuição drástica em relação a seu valor médio antes do represamento. tal fato se deveu a uma grande diminuição da riqueza específica das amostras, já que a regularidade das distribuições não sofreu mudança.
Riqueza e composição das espécies de peixes
Incluindo as espécies capturadas em épocas recentes, a riqueza total da ictiofauna capturável pela técnica usada, estimada para os trechos de corredeiras e à montante do reservatório de Tucuruí era de 182 espécies. entre 2001 e 2005, foram capturadas apenas 131 espécies, o que representa uma perda de 50 delas. daquele total, 124 espécies foram capturadas no reservatório, sendo que a grande maioria das bentônicas amostradas antes do fechamento não mais foi encontrada na área. Incluem-se neste caso representantes dos bodós (Hypostominae), pacus (Myelinae), aracus (Anostomidae) e mandis (pimelodidae).
Observou-se, ainda, que o decréscimo do número de espécies não foi acompanhado
necessariamente de uma diminuição da densidade dos peixes da família correspondente. Assim, por exemplo, houve pouca diferença entre a densidade dos Hypostominae entre as fases de pré e pós enchimento. Por outro lado, os anostomídeos foram mais abundantes na fase de pós enchimento. A elevada abundância relativa de uma ou poucas espécies na fase pós-enchimento explica essa aparente contradição.
Em vários casos, a maior abundância de certos grupos de peixes antes do fechamento pode ser atribuída ao fato de se tratar de espécies migradoras. este parece ter sido o caso dos representantes da família prochilodontidae (curimatá e jaraqui), pimelodidae (mandis) e das duas espécies de Curimatidae (branquinhas) altamente abundantes (Curimata acutirostris e Psectrogaster amazonica).
Por outro lado, o aumento da abundância relativa de representantes da família Cichlidae e subfamília Serrasalminae deveu-se, provavelmente, ao modo de reprodução dessas espécies, que produzem poucos ovócitos de grande tamanho, confeccionam ninhos e cuidam da prole, isto é, adotam uma estratégia adaptada a ambientes relativamente estáveis (WIneMIller, 1989).
Para outros grupos de peixes, a estratégia alimentar é sem dúvida o fator que melhor explica as mudanças de abundância relativa. Assim, por exemplo, o mapará (Hypophthalmus marginatus) era ausente na área de corredeiras do rio antes do represamento, mas representou uma proporção importante nas comunidades de peixes do reservatório. Esta espécie é planctófaga e se aproveita do desenvolvimento do plâncton no reservatório. Também os piscívoros e outros carnívoros foram favorecidos pela disponibilidade de presas no reservatório, principalmente
peixes jovens e camarões.
Em compensação, os detritívoros, que se alimentam no fundo ou nos substratos de uma mistura de perifíton e algas, foram prejudicados pela inacessibilidade aos
substratos desses organismos presas. nota-se, enfim, o aumento da abundância relativa de onívoros que são geralmente espécies oportunistas, capazes de se alimentar do recurso mais disponível no ambiente.
Situação recente (1999-2005)
A pesca na área de influência da UHE Lago Tucuruí é, atualmente, uma atividade de elevada importância social e econômica para os municípios situados à montante e à jusante da barragem. Muitos empregos são gerados por esta atividade. Cerca de 25.000 pescadores são afiliados às colônias de pescadores da região (Juras et al., 2004) e estima-se que, com os dependentes, esse número representa uma população humana de aproximadamente 200.000. Devido à oportunidade gerada pela alta produção de pescado no reservatório, muitos desses pescadores entraram na atividade depois da formação do reservatório e 70% deles se dedicam exclusivamente a pesca (AVIZ, 2006).
A partir de 1999, se restabeleceu progressivamente um sistema de coleta de dados de
desembarques nos principais portos da região com a mesma metodologia adotada no período préfechamento.
Atualmente, é controlada a produção pesqueira nos seguintes locais de desembarque:
Cametá, Mocajuba, Baião e tucuruí (na zona jusante); porto do Km 11 e Jacundá (no reservatório) e Itupiranga e Marabá (na zona montante). Adicionalmente, o mercado de limoeiro de Ajurú, situado nas proximidades da foz do rio tocantins, foi coletado a partir de meados de 2002 (eletronorte/ ENGEVIX-THEMAG, 2004b).
Os pescadores do Lago Tucuruí
A organização administrativa da pesca se diversificou juntamente com a criação de novos municípios na área. Atualmente, existem 12 colônias de pescadores na região, agrupando cerca de 25.000 pescadores profissionais.
Quase a totalidade dos pescadores é formada por homens, embora a participação da mulher também ocorra e tende a crescer. em certas colônias, tais como as de Itupiranga e Jacundá, o número de mulheres equivale ao de homens na atividade pesqueira (AVIZ, 2006). A grande maioria dos pescadores (70%) se dedica exclusivamente à pesca e cerca de 13% deles exercem uma atividade secundária na agricultura. o restante desenvolve diversas atividades além da pesca. em geral, o
pescador profi ssional é proprietário de sua embarcação, notando uma grande exceção em Cametá, onde somente 50% dos pescadores possuem embarcação própria. As exigências da pesca de bloqueio, que necessita de um barco tipo geleira de grande porte, explicam essa particularidade.
Mercado
Com o grande incremento das atividades pesqueiras no reservatório de tucuruí, houve uma multiplicação dos pontos de desembarque do pescado nesta área. entretanto, somente alguns deles apresentam infraestrutura adaptada ao desembarque, armazenamento e comercialização de quantidade signifi cativa de produto. em tucuruí, o porto do Km 11 e o porto de Jacundá recebem a maioria do pescado oriundo do reservatório, chegando a mais de 2.000 toneladas anuais.
Os outros pontos de desembarque são Breu Branco, Goianésia do Pará, Novo Repartimento e Nova Ipixuna. Todos esses mercados são abastecidos exclusivamente pela pesca local.
À montante da represa, o porto de Itupiranga alcançou uma importância preponderante, recebendo grande quantidade de pescado capturado na parte superior do reservatório. Nesta mesma região, o porto de Marabá continua como o receptor de uma produção local do rio tocantins e de suas zonas anexas.
Produção total e captura por esforço
Nos dois anos seguintes ao fechamento da barragem, a captura era mínima, apesar de existir uma captura por esforço relativamente alta (Figura 4.33). neste período, as atividades pesqueiras eram muito desorganizadas e, em consequência disso, era comum falhas no sistema de coleta de dados de desembarques.
Entre 2000 e 2003, a captura na zona à montante aumentou em grandes
proporções, junto com um aumento paralelo da captura por esforço. essa evolução conjunta da captura e da CPUE denota uma situação de pesca em desenvolvimento, quando a frota pesqueira acompanha um acréscimo dos estoques. essa evolução ascendente parece ter chegado ao fim a partir do ano 2003, já que a captura em 2005 voltou ao mesmo nível observado em 2000.
Conclusões do estudo (1999-2005)
A atividade pesqueira, que já era importante antes do fechamento da barragem se tornou ainda mais intensa com a formação do reservatório da UHe tucuruí. o amplo aumento populacional na região acarretou uma forte demanda e a grande disponibilidade de recursos pesqueiros gerados pela existência do reservatório atraiu numerosas pessoas em busca de trabalho, emprego e renda.
A produção pesqueira total comercializada2 do trecho do baixo rio tocantins cresceu de maneira considerável, passando de cerca de 1.300 toneladas em 1981 a mais que 6.000 toneladas anuais entre 1999 e 2005.
A contribuição relativa das diferentes zonas se inverteu em relação à situação que se observava na fase de pré-fechamento. A zona jusante que contribuía, em 1981, por 85% da produção total passou a ser a menos produtiva, enquanto surgia uma produção elevada na zona inundada pelo reservatório.
A área do reservatório e um pequeno trecho do rio à sua montante concentraram, nos anos recentes, a maior parte do esforço desenvolvido com uma produção de cerca de 4.000 toneladas/ano.
Comparados com os valores calculados antes do fechamento da barragem, os valores de CPUE evidenciam a evolução do sistema. os rendimentos da zona à jusante sofreram uma diminuição importante, passando de 26 para 16kg/pescador na parte mais à jusante e de 35 para 30kg/pescador na parte mais próxima à barragem. o reservatório, não obstante a diminuição da densidade dos peixes por causa do aumento do volume de água, teve um rendimento similar ao da área de corredeiras
antes da formação do reservatório. Quanto à área à montante da represa, os valores observados nos últimos anos representaram quase o dobro da fase de pré-enchimento, fato que corrobora a alta produtividade dessa área.
Notou-se uma nítida variabilidade sazonal na produção pesqueira que, no reservatório, se tornou reduzida nos meses de novembro a fevereiro, um período correspondente ao defeso, que limita administrativamente as atividades pesqueiras com o objetivo de proteger os estoques na época de maior atividade reprodutiva dos peixes.
Nos anos recentes, a produção pesqueira dos diferentes trechos sob influência direta da barragem parecia estar estabilizada após um acréscimo contínuo no reservatório desde o fechamento da barragem.
As repercussões das transformações das comunidades de peixes sobre a produção pesqueira foram amplas. O sistema de exploração dos recursos pesqueiros da região mudou acentuadamente, em especial quanto ao esforço cada vez mais intenso dos pescadores artesanais aplicado sobre os estoques da represa. Fato interessante foi a conservação de uma captura diversificada de peixes, apesar da diminuição da riqueza específica.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário